segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA POLICIAL: Minimizando os riscos da profissão......

        Foto registrada durante operação realizada em favela no Rio de Janeiro pelo BOPE. 

Com o aumento da criminalidade violenta no Brasil o profissional de segurança pública vem se tornando vítima deste mesmo cenário. A mídia tem noticiado diuturnamente elevadas baixas de policiais, seja por lesões graves permanentes, óbitos ou envolvimento em procedimentos judiciais, levando-o a um grupo de risco contra sua própria segurança.  Torna-se inevitável que este profissional aja proativamente buscando se qualificar técnica e psicologicamente ao momento da tomada de decisões para o exercício do seu dever legal, em serviço ou de folga, pois a sociedade espera uma tomada de decisão equilibrada, aceitável e uma ação eficiente.
   O atual quadro de violência em nosso país é gerado por múltiplos fatores, tais como a impunidade, a falência do sistema penitenciário, a ineficiência crônica das leis e do sistema jurídico, os grandes bolsões de miséria, deficiência em fiscalização e controle de armas e de drogas, aliada à audácia dos criminosos e a adoção de um modelo de segurança pública que atua quase sempre de forma reativa e pouco proativa oscilando por tentativas entre erros e acertos.
   Estes e outros fatores têm levado as instituições policiais brasileiras a se exporem em demasia e a experimentar, nos últimos tempos, inúmeros casos reais de confrontos (armados ou não, envolvendo policiais em serviço ou de folga), em resposta a agressões de toda ordem provocadas por criminosos, o que tem gerado baixas significativas nos quadros policiais (altos índices de lesões graves permanentes, óbitos ou envolvimento em procedimentos judiciais contra policiais) e ainda, as “balas” perdidas vitimando também pessoas inocentes da sociedade acumulando prejuízos irremediáveis ao estado, às instituições policiais, à sociedade e em última instância à classe de policiais brasileiros e suas famílias.
   A atividade policial sem dúvida leva o profissional que abraça tamanho sacerdócio a se inserir em grupo de risco contra sua própria segurança. A compreensão deste paradoxo conduz a um dos instrumentos de vital importância para o exercício da profissão: para adquirir capacitação, confiança e segurança em sua atuação é necessário que o profissional de Segurança Pública busque a preparação técnica e psicológica, pois pode se envolver tanto em ocorrências cotidianamente consideradas comuns, quanto em situações de extrema complexidade lembrando que, o policial, como qualquer cidadão, pode potencialmente transformar-se em vítima da violência em momento de folga, fato este que tem aumentado vertiginosamente no Brasil, apresentados na mídia e nas estatísticas policiais.
   A complexidade de situações, ainda agravadas pela necessidade de tomada de decisões imediatas nas quais o policial é submetido sob o efeito do estresse, exige uma capacitação abrangente para que esteja apto a bem gerenciar tais conflitos. Isso nos remete à importância de oferecer ao profissional de segurança o treinamento e as ferramentas que o aproximem de cenários reais que atua sem deixar de lado outros fatores importantes como o apoio do Estado e o reconhecimento e a motivação da sociedade.
   Algumas medidas preventivas e defensivas para o policial minimizar seus riscos.....
Adoção e uso de armamento, equipamento e acessórios com rígidos padrões de qualidade.
Bons armamentos, equipamentos e acessórios, aliados à capacidade de gerenciar crises e efetuar procedimentos corretos e padronizados constituem os principais instrumentos de trabalho do policial. Este deve ter afinidade com (armas, munições e equipamentos não letais, tonfas, espagidores, algemas, rádios, lanternas, coletes balísticos) que irá utilizar no seu cotidiano (em serviço ou de folga) e possuir conhecimentos básicos, tais como o momento da utilização, a transposição de um equipamento para o outro; a utilização conjugada e simultânea das técnicas; o tempo necessário para resposta; o empreendimento da força adequada; o manuseio; mecanismo de segurança, princípio de funcionamento e fundamentos.
   A incapacitação imediata e o poder de parada [1](Stopping Power) dos projéteis de arma de fogo são essenciais para o sucesso do intento de uma ação policial defensiva, onde for inevitável o uso da força letal.   Quanto maior a capacidade de um projétil de neutralizar uma ação agressora, menor número de disparos será necessário, gerando, em consequência, mais segurança para a ação e menor possibilidade de incidir o policial em excesso no uso da força.
A importância da preparação continuada voltada à habilitação do policial
   A qualificação do policial através de treinamentos deverá estar à altura da exigência do serviço que lhe é inerente, principalmente na atuação do mecanismo do uso da força.
   Também é importante salientar a relevância de uma boa formação do policial, conduzindo à harmonia e aplicabilidade entre a teoria e a prática. Vale ressaltar que na ausência de doutrina, estrutura e equipamento ideal, a didática da instrução fica prejudicada nos quesitos de qualidade e realismo do treinamento, podendo inclusive não se obter sucesso, gerando com isso, práticas empíricas de instrução pouco eficientes ao ensino da instituição a que se destina, ou até mesmo durante a necessidade de utilização de defesa em situações fora de serviço.
   Verificamos que num momento de estresse decorrente de uma ação de confronto, terá que recorrer ao condicionamento anterior adquirido durante o seu treinamento específico, o que chamamos de [2]memória psicomotora, caso não haja tal treinamento meticuloso, certamente estará o policial vulnerável a situação de elevado risco e praticamente à “mercê” da boa sorte.
Considerações sobre alguns aspectos de ordem legal
   Deverá estar bem claro ao policial cuja principal função é resguardar a sociedade contra situações de infração da lei, que o bem maior a ser defendido é a vida, a sua (o policial), a da vítima e, se possível, a do agressor. A priorização da vida do policial no momento do uso da força se justifica, pois é com ela que deverá promover a segurança da vítima, da vida do agressor, sempre que possível, bem como, a manutenção da lei.
   O policial deverá ter a noção exata do que se passa no local do crime ou no sítio da abordagem, para que não coloque em risco a vida humana, principalmente a de inocentes. É sabido que o medo, a falta de segurança e o excesso de confiança gerado pelo próprio policial, são alguns fatores que demonstram falta de profissionalismo, podendo levar a conseqüências irremediáveis.
Atenção ao elemento supressa em favor da ação do policial
   Entre os princípios de uma abordagem (segurança, surpresa, ação vigorosa, unidade de comando e rapidez), o elemento surpresa, constitui-se em um fator determinante e diferenciador para o sucesso de uma ação policial, principalmente tratando-se da necessidade do uso da força letal. Se o policial perde a surpresa estará possibilitando uma possível reação do agressor com sucesso, podendo gerar situações que culminem em letalidade, e quase sempre é proveniente de falha na adoção adequada dos níveis de alerta.
   Também é importante que o policial esteja preparado para não agir, caso tenha sido surpreendido por terceiros em situação adversa. Isto é, o policial que for encontrado com o fator surpresa em desfavor a sua pessoa e/ou equipe, precisa ter a calma e o controle necessários para saber o momento ideal de reverter o quadro. Quase sempre seu agressor deixará uma margem para que ele possa agir oportunamente dentro da legalidade, não sendo possível não ofereça reação. Este controle só é adquirido por policiais bem orientados que têm a segurança e o preparo profissional adequados para o desempenho ideal de sua função junto à sociedade.
Alguns aspectos psicológicos em que o policial possa se inserir durante uma ação:
   Para o bom desenvolvimento da função a atividade policial deve estar atrelada aos fatores psicológicos. O ser humano, em situação de estresse, tende a perder o seu raciocínio intelectual, trabalhando apenas com seu raciocínio intuitivo ou por meio de seu condicionamento psicomotor.
   É sabido que o policial tem que tomar decisões importantes em frações de tempo muito ínfimos e sob forte estresse. Tais decisões deverão estar revestidas da legalidade, necessidade, moderação, conveniência e proporcionalidade.  Naturalmente, em questões conflitantes que levam ao estresse é essencial para solução destas o controle pessoal de quem tem a obrigação de resolvê-las profissionalmente, superando tanto quanto possível as tendências parciais e emotivas peculiares ao ser humano.
   Outras informações importantes: Dados estatísticos oriundos do estudo de confrontos armados, em pesquisas  de  departamentos de polícia norte americanos, inclusive o FBI, envolvendo ações de alto risco:
a) 40% dos policiais mortos em serviço não tiveram treinamento ou prática de tiro durante três anos após terem efetuado o último disparo em treinamento.
b) Em 60% dos casos de morte de policiais, estes se encontravam tão despreparados para a situação que os matou que nem sacaram suas armas.
            b.1) Desses somente 27% atirou de volta.
            b.2) E desses 27%, apenas 13% conseguiu atingir ou incapacitar seu agressor.
      c)  70% dos policiais atingidos que responderam ao fogo não conseguiu neutralizar seu alvo.
d.1) Sendo que em 20% destes casos, os policiais foram mortos com suas próprias armas, tomadas de suas mãos ou dos coldres.
d)  Em 60% dos casos onde morreram policiais, os criminosos envolvidos eram profissionais e já tinham passagens anteriores pela polícia.
e) Um policial bem adestrado precisará de, no mínimo, 1 a 1,2 segundos para sacar e atirar, enquanto o agressor apenas de milésimos de segundos para atirar se já estiver com arma em punho (lembrando que nas situações rotineiras dificilmente o policial terá sua arma em punho).
f) Mais de 70% dos confrontos armados fatais para policiais ocorrem durante missões aparentemente       rotineiras.
g) Um em cada dez policiais mortos estava de folga e isto quer dizer que uma vez que você é policial você se torna um alvo durante as 24 horas do dia.
h) 85% das distâncias nos confrontos armados são menores que 6 metros.
   h.1) A maioria dos policiais mortos em serviço estava a uma distância de no máximo 3 metros.
   h.2) A parte restante estava a menos de 2.
i) Duas em cada três vezes o confronto se dará em locais escuros ou de baixa luminosidade. Na maioria das vezes, não haverá condições de enxergar alça e maça de mira quando for efetuar disparos.
j) O tempo dos tiroteios (em quase 100% dos casos) não foi maior que três segundos e três tiros disparados foi a média calculada, contando-se os disparos do agressor e do policial.
    j.1) Em quase todos os casos, os disparos iniciais determinaram o resultado final do confronto.
k) Nem sempre, um disparo dito certeiro pode incapacitar instantaneamente um indivíduo.
    k.1) Alguns indivíduos atingidos por múltiplos disparos continuam lutando contra a polícia
    k.2) Outros podem sucumbir apenas com um único disparo de raspão
l) Pesquisas médicas comprovam que cerca de 20% dos indivíduos atingidos por um único disparo não ficam incapacitados (neutralizados), mesmo quando atingidos em áreas letais.      
     l.1) Na prática, estão mortos, mas ainda não sabem disso. 
     l.2) Cerca de 13% deles resistem por até 5 minutos, e 7% resistem até mais.
     Verificamos que o número de óbitos de policiais brasileiros aumentou vertiginosamente patrocinados em boa parte por quadrilhas criminosas comprovando que o risco é real e diário. A sobrevivência do policial perpassa por uma mudança de comportamento e gera a necessidade de se colocar em estado de alerta independente do momento de serviço ou de folga, e, portanto, deve agir proativamente objetivando minimizar os riscos da profissão, pois é preciso...............................SOBREVIVER!
      
Goiânia-GO Dezembro de 2012.

Alexandre Flecha Campos - TC QOPM da PMGO é técnico do POP uso seletivo da força e colaborador com a Diretriz Nacional do Uso da Força.
[1] Stopping Power: Termo norte-americano que significa poder de parada que procura responder as ações ofensivas de um agressor com menos tiros e maior eficiência.
[1] Memória psicomotora: Está relacionado a habilidade adquirida pelo ser humano ( policial ) a partir de treinamentos constantes até que se desenvolva movimentos mecânicos e automatizados capazes de respostas intuitivas em situações de reais emprego.