quinta-feira, 29 de setembro de 2011
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
TESE DE POLICIÓLOGOS
por Décio Leão
O aumento constante da violência e da criminalidade provoca um clima de insegurança na população, o que propicia um ambiente profícuo para se achar que há uma crise na segurança pública. Ocorrências graves como tomada de reféns, tiroteios, rebeliões, homicídios grotescos e outros casos do dia-a-dia policial são aproveitados para preencher as lacunas dos telejornais. Essas lacunas normalmente são oriundas da falta de correspondentes, de atrasos nas edições das reportagens ou simplesmente por não haver assuntos importantes naquele dia. Mas essa situação exige comentários e análises da imprensa, o que tem gerado espaço para um tipo de profissional muito peculiar, o “especialista em segurança”.
Podemos afirmar que o especialista em segurança é uma atividade que goza de grande respeito, pois aparece na mídia, faz assessoria dos nossos governantes e até interfere no trabalho da polícia. Algumas vezes eles conseguem até elevados cargos públicos.
O especialista em segurança é tão importante como outros dois colegas de profissão, o “especialista em futebol”, aquele técnico não contratado que tem todas as fórmulas mágicas para ganhar o campeonato e apontar os infinitos erros do técnico titular; e o “especialista em churrasco”, que mesmo sem saber diferenciar picanha de patinho dá uma aula de como preparar um legítimo churrasco gaúcho.
A EPC International (Embusteration Picaretation Corporation), sempre preocupada com o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos embusteiros e picaretas, oferece aqui os fundamentos necessários para a atuação desses consultores de ocasião. Quem quiser ser um especialista em segurança deve seguir algumas regras comuns à essa profissão:
1) NUNCA TER SIDO POLICIAL: o especialista em segurança pode ter qualquer origem. Civil, militar, religiosa, não importa. Mas é fundamental que ele nunca tenha sido policial, nunca tenha visto um criminoso de perto, nunca tenha colocado sua vida em risco na defesa da sociedade. Excepcionalmente, pode-se aceitar um policial como especialista em segurança, desde que ele nunca tenha exercido atividade operacional e igualmente, nunca tenha enfrentado bandidos, nunca tenha comandado uma unidade policial cheia de problemas ou uma delegacia de polícia na periferia. Policiais de gabinete, conhecidos pelas alcunhas “gravatinhas”, “maçanetas”, “papagaios-de-pirata” e outros burocratas em geral têm grande potencial para serem especialistas em segurança, pois possuem uma visão mais ampla e colorida sobre o crime.
2) POSSUIR FORMAÇÃO GENÉRICA: o especialista em segurança pode ser formado em qualquer área, menos em uma Academia de Polícia, é claro. Engenheiros, farmacêuticos, administradores, economistas, sociólogos, psicólogos, podólogos, promotores de justiça, promotores de vendas, enfim, todos podem ser especialistas em segurança, desde que tenham estudado profundamente o assunto no último final de semana ou tenham participado daquele seminário de um dia que ocorreu não sei aonde. Mas se o especialista tiver feito algo mais profundo, como um curso de vigilante em Israel, terá garantida uma entrevista no Fantástico.
3) APARECER NA MÍDIA: o especialista em segurança não pode deixar de aparecer na mídia, quer seja imprensa escrita, falada, televisionada ou internetada. Não se mede a qualidade de um especialista em segurança pela sua experiência profissional ou sua formação específica. É a quantidade de vezes que ele aparecer na imprensa que irá dar a sua qualificação de suposto conhecimento e experiência. Vale tudo nesse assunto: Fantástico e Jornal Nacional tem amplitude, mas geralmente deixam um pequeno tempo de exposição. Programas como Superpop, Boa Noite Brasil, Hebe Camargo, Programa do Clodovil, além daqueles intermináveis programas femininos da manhã e tarde são melhores, pois dão aos especialistas maior tempo e oportunidade para soltarem suas pérolas sobre segurança.
4) FALAR O ÓBVIO: o especialista em segurança deve dar entrevistas ou escrever artigos apresentando soluções mágicas para solucionar o problema da segurança. Por exemplo, o especialista em segurança deve afirmar que as autoridades policiais precisam “intensificar o policiamento preventivo” ou “investir em inteligência policial”. Quanto mais óbvia for a solução mágica, melhor será o efeito “como-ninguém-pensou-nisso-antes”. E obviamente, o especialista não precisa dar detalhes sobre como serão conseguidos os recursos humanos, materiais e financeiros, qual o impacto sobre o orçamento e outros problemas que “são meros detalhes técnicos”.
5) FAZER A POLÍCIA PARECER INCOMPETENTE: o especialista em segurança é especialista porque entende do assunto. Polícia não entende nada de segurança. Ao comentar os problemas de segurança, as crises e os problemas em ocorrências policiais, o especialista em segurança deve mostrar como a polícia errou, o que ela deixou de fazer, o que ela poderia ter feito. Sutilmente, o especialista em segurança deve dar indicações de a polícia não sabe fazer bem o seu serviço. Isso é certo, pois a polícia, tendo que se desdobrar para combater a criminalidade, gerenciar recursos minguados, enfrentar problemas diários, cobranças da comunidade e dos escalões superiores, certamente não tem tempo para ficar fazendo masturbações mentais sobre o deveria fazer ou deixar de fazer. Isso é coisa para os especialistas em segurança.
6) NÃO TER RESPONSABILIDADES: o especialista em segurança não precisa se preocupar com o que fala, pois não tem que tomar decisões, não tem responsabilidades, não é cobrado pelos seus resultados. Quando fizer uma proposta, apresentar uma idéia que irá solucionar os problemas da segurança, o especialista em segurança deve adotar duas alternativas: primeiro, se seu projeto der certo estará comprovada sua genialidade; segundo, se der errado sempre há alguém para culpar, principalmente os Oficiais de Polícia Militar e os Delegados da Polícia Civil, que não se empenharam corretamente em suas obrigações para fazer dar certo o magnânimo projeto do especialista em segurança. Essa é uma das maiores vantagens de ser um especialista em segurança. Por mais absurda que seja sua idéia, você não é responsável pelo “como” ou “quanto $$$” será sua aplicação, muito menos as conseqüências do fracasso.
7) PÉROLAS DOS ESPECIALISTAS EM SEGURANÇA: a partir dos conceitos apresentados, apresentamos aqui algumas frases que podem ser usadas pelos especialistas em segurança iniciantes. Mesmo já tendo sido usadas anteriormente, essas frases-padrão representam o discurso que se espera de um bom especialista em segurança durante uma entrevista:
- “A conjuntura macroeconômica da globalização desenfreada tem impactado sobre a sociedade marginalizada, forçando uma busca por recursos alternativos nem sempre éticos com a legalidade”.
- “A polícia precisa urgentemente investir em policiamento preventivo e em inteligência policial”.
- “Os capitães comandantes de companhia e os delegados titulares de distritos policiais devem se reunir periodicamente e detectar onde e quando estão ocorrendo os delitos. Com essa informação, o policiamento deve ser direcionado para os locais de maior incidência criminal”.
- “A crise de segurança ocorre porque a polícia não está fazendo o seu papel. Os policiais civis não fazem o preventivo e os policiais civis não investigam.”
- “A ROTA deve ir para as ruas”.
Viu como é fácil ser um especialista em segurança? Não perca essa oportunidade! Seja você também um especialista em segurança e dê palpite em um dos assuntos mais complexos da nossa sociedade atual. Junte-se a essa cambada de picaretas que cada vez mais querem criticar a profissão mais difícil, ingrata, perigosa, porem mais necessária e mais honrada do mundo: POLICIAL.
Sobre o autor
DÉCIO JOSÉ AGUIAR LEÃO é Capitão da Polícia Militar, com 22 anos de serviço policial. Já trabalhou em diversas unidades operacionais de São Paulo e serviu na Polícia das Nações Unidas no Timor Leste. É graduado na Academia Nacional do FBI em Quântico, Virginia, e pós-graduado em Política e Estratégia pela USP e em Criminologia pela UNIBAN. Obviamente não é um especialista em segurança e obviamente não entende nada sobre o assunto. Contato: decioleao@uol.com.br